A apreensão de passaporte, carteira de habilitação e dos cartões de crédito do devedor é medida legítima e que deve ser utilizada em situações extremas
Imagine o seguinte caso: um devedor se recusa a negociar dívida de mais de 200 mil reais com seu credor, mesmo este tendo recorrido à Justiça. O tal devedor alega não ter como quitar seu débito de nenhuma maneira, ainda que parcelado ou por meio de bens, e esse processo vai se estendendo. Processualmente falando, a vida do devedor é de uma pessoa sem bens, que não possui imóveis ou veículos registrados em seu nome ou quaisquer valores em suas contas bancárias. Mas, na prática, ele ostenta uma realidade que inclui viagens ao exterior, gastos em cartões de crédito, carros de luxo e reside em um condomínio de alto padrão, exatamente o oposto do que alega para não pagar sua dívida.
Recentemente, em um caso bastante parecido com o relatado aqui, a Justiça determinou a apreensão do Passaporte e da Carteira Nacional de Habilitação (CNH) e a suspensão dos cartões de crédito do devedor, que tenta se passar por insolvente, mas ostenta padrão de vida elevado e incompatível com a pobreza alegada nas ações onde é réu. A decisão, inédita, causou controvérsias, já que alguns juristas afirmam que a medida afrontaria o direito de ir e vir do devedor, garantido na Constituição Federal e também implicaria em constrangimento ilegal ao cidadão.
“Ora, o que pode ser feito, entretanto, para que se assegure o direito do credor? Quando um devedor assume sua dívida e se compromete a saldá-la em prestações, mas, torna-se inadimplente e citá-lo pode ser tornar uma tarefa impossível, já que se esquiva, de forma deliberada, de receber qualquer intimação e também não é possível penhorar qualquer bem, pois ele não possui patrimônio em seu nome, como deve agir a Justiça? Se é comprovado que o devedor busca, a todo custo, desviar seus bens para não quitar um débito, ainda que possa fazê-lo, por que não se deve agir de maneira a torná-lo mais colaborativo em arcar com suas responsabilidades?”, questiona Fernando Tardioli Lima, advogado especializado em Recuperação Judicial.
Ele diz que é preciso deixar claro que tais providências não implicam em qualquer violação ao direito de ir e vir do executado, assegurado pela Constituição Federal. “Vale lembrar que é a mesma Constituição Federal que também assegura ao credor o direito à duração razoável do processo. Assim, quando o devedor usa de má-fé e se utiliza de meios escusos para se esquivar de suas obrigações ocultando bens e tenta obter a suspensão do processo por falta de patrimônio passível de expropriação, conforme determina o artigo 291 do CPC, o combate a tais práticas deve ser feito de forma dura e pedagógica. Outra intenção comum aos devedores contumazes é a de aguardar o prazo de cinco anos para a paralisação do processo, que será, posteriormente, extinto pela prescrição intercorrente, inscrita no inciso VI do artigo 924 do CPC. Estas atitudes devem estar sob a mira da Justiça, em proteção tanto ao credor quanto aos devedores executados que cumprem com seus acordos”, explica.
Tardiole acredita que o eventual uso de medidas indutivas ou coercitivas para assegurar o cumprimento de ordem judicial que reconheça e imponha o cumprimento de obrigação de qualquer natureza, obviamente, não pode ser aleatório ou indiscriminado, sendo sujeito a controle dos Tribunais, caso haja abuso por parte dos juízes de primeira instância. “Isso significa que a apreensão de documentos e a suspensão de cartões de crédito é uma ferramenta a ser utilizada em casos extremos, mas que se faz necessária para que se apresentem resultados positivos quando são excedidos os limites do razoável”, finaliza.
*Fernando Tardioli é advogado especializado em Agronegócio e Recuperação Judicial, sócio do Tardioli Lima Advogados. Ele está à disposição da imprensa como fonte de informação sobre suas especialidades.