Artigo - O rei do algodão e a Lei
O maior produtor de algodão do Brasil é personagem de um caso de recuperação judicial que desafia a Justiça. Em agosto de 2015, sua empresa ajuizou o pedido de recuperação judicial no Estado de Mato Grosso, com dívida declarada de aproximadamente R$ 900 milhões.
Alegando que parcela significativa da dívida está em nome do casal controlador da empresa, foi requerida também a recuperação judicial dos sócios, ou seja, das pessoas físicas dos produtores rurais. Antes, porém, para tentar justificar tal ato, o casal foi inscrito na Junta Comercial. A medida teria como objetivo proteger os bens pessoais do casal, que vinha sendo alvo de ações de execuções de bens por parte dos credores.
Porém, o Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso, poucos meses depois, como não poderia deixar de ser, não aceitou o pedido de recuperação judicial das pessoas físicas, simplesmente aplicando a lei. Um produtor rural, assim como qualquer outra pessoa física, não pode pedir recuperação judicial. E, para que o produtor rural seja considerado um empresário apto a solicitar tal medida, além de outros requisitos, é preciso que exerça regularmente atividade empresarial, com inscrição na Junta Comercial, há pelo menos dois anos, nos termos do artigo 971 do Código Civil e do artigo 48 da Lei 11.101/2005. Não era esse o caso!
Uma pessoa que atua há anos como pessoa física, exercendo atividades civis por livre e espontânea vontade – e sem arcar com a carga tributária e outras obrigações conferidas a uma empresa – não pode se valer do mesmo benefício concedido a um empresário ou uma sociedade empresária. Igualmente, não pode, às vésperas do pedido de recuperação judicial, providenciar a inscrição na Junta somente para ter esse benefício.
Apesar do claro entendimento da lei, em março de 2016, o casal, caracterizado como “firma individual de produtor rural”, foi novamente reconduzido à recuperação judicial, pelo mesmo Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso, em uma decisão liminar proferida em ação cautelar para dar efeito suspensivo a recurso especial, sob a alegação de que “a enxurrada de execuções e arrestos poderia comprometer o processo de recuperação judicial do grupo”.
No mês seguinte, outra reviravolta: uma decisão do Superior Tribunal de Justiça reformou a liminar anteriormente concedida pelo tribunal estadual, e, na sequência, o Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso acabou, em decisão de mérito, rejeitando a ação cautelar ajuizada pelos produtores, sustentando que está se firmando o entendimento no sentido de que não pode ser deferida a recuperação a produtores rurais que não estejam inscritos na Junta há mais de dois anos. O recurso especial interposto ainda aguarda análise e não se sabe quando a novela terá o seu capítulo final escrito pela Justiça.
O fato é que o Poder Judiciário precisa seguir impedindo o acesso à recuperação judicial daqueles que não fazem jus a esse benefício. Não é só uma questão de Direito e de Justiça. Como já foi sustentado em artigo anterior, tal situação compromete o agronegócio como um todo e abala toda a sua estrutura de garantias. Certamente, empresas e instituições financeiras não terão mais a segurança necessária para fomentar esta importante atividade. Ou, então, aumentarão significativamente suas taxas de juros e as exigências quanto ao oferecimento de garantias, inviabilizando as operações de crédito e de financiamento.
É inconcebível que no momento de tomar crédito o produtor se apresente como pessoa física para, posteriormente, no momento de inadimplência, tentar se travestir de empresário, com o propósito específico de alcançar os favores da recuperação judicial.
Produtores rurais, pessoas físicas, que quiserem ter acesso à recuperação judicial, um direito exclusivo e reservado unicamente às empresas, que se organizem e atuem como tal, arcando com todas as consequências de sua escolha, inclusive, o pagamento da respectiva carga tributária.
O que não se pode admitir é burlar os credores e o regime tributário de uma atividade, apresentando-se de uma forma ou de outra, conforme a sua conveniência.
Deve ser respeitado o equilíbrio de forças desde a contração até o cumprimento da obrigação. Todos sabem que qualquer opção implica em renúncia. Todos sabem que a vida, inclusive a empresarial, é feita de ônus e bônus.